Retomada

O “Diário do meu Fogão” esteve sem atualização desde julho de 2010. A razão? A pior de todas: Andiara, a nossa guru, foi bater papo com os anjos, foi melhorar o cardápio do Paraíso. Durante a internação, seu filho mandou o seu prato preferido o concurso “Sua Receita” do Portal Oba. A Andiara jamais ficou sabendo, mas o seu Klops Familiar foi uma das 50 selecionadas e publicadas em um elegante livro. Mas a surpresa não acaba ai. A renda da venda do livro irá para o Hospital Boldrini de câncer infantil. Para nós a mensagem não poderia ser mais clara: O Fogão não apagou, o Diário deve continuar. Temos certeza de que a Andiara, lá em cima, irá gostar.


"Não existe maior prazer do que os prazeres da mesa" - George Bernard Shaw


quinta-feira, 29 de abril de 2010

Vatapá de Peixe ou Galinha de Dona Flôr

(Literatura-Receita)
Esta é uma das mais lindas páginas da Literatura Brasileira: Dona Flor, personagem de Jorge Amado, mescla a dor pela perda do marido com a responsabilidade da sua aula de Culinária. É um monólogo de lamento, sensualidade e consciência em que eu, abaixo, criminosamente, eliminei os parágrafos ‘não gastronômicos’. Poderia simplesmente ter traduzido a receita em oração tradicional, em palavras ‘receituárias’, mas quem ousaria mexer no texto de Jorge? Assim, mantenho o sabor de personagem e autor nos conselhos da receita e comprometo você a procurar e ler o texto integral.

“Me deixem em paz com o meu luto e minha solidão. Não me falem dessas coisas, respeitem meu estado de viúva. Vamos ao fogão: prato de capricho e esmero é vatapá de peixe (ou de galinha), o mais famoso de toda a culinária da Bahia. Vatapá para servir a dez pessoas (e para sobrar como é devido). Tragam duas cabeças de garoupa fresca – pode ser de outro peixe, mas não é tão bom. Tomem do sal, do coentro de alho e da cebola, alguns tomates e o suco de um limão. Quatro colheres das de sopa, cheias com o melhor azeite doce, tanto serve português como espanhol; ouvi dizer que o grego inda é melhor, não sei. Jamais usei por não encontrá-lo à venda”.
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“Refoguem o peixe nesses temperos todos e ponham a cozinhar num bocadinho d’água, num bocadinho só, uma quase nada. Depois é só coar o molho, deixá-lo à parte e vamos adiante”.
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“Tomem do ralo de dois cocos escolhidos – e ralem. Ralem com vontade, vamos, ralem; nunca fez mal a ninguém um pouco de exercício (dizem que o exercício evita pensamentos maus; não creio). Juntem a branca massa ralada e aqueçam antes de espremê-la: assim sairá mais fácil o leite grosso, o puro leite de coco sem mistura. À parte o deixem. Tirado esse primeiro leite, o grosso, não joguem a massa fora, não sejam esperdiçadas que os tempos não estão de desperdício. Peguem a mesma massa e a escaldem na fervura de um litro d’água. Depois espremam para obter o leite ralo.
O que sobrar da massa, joguem fora, pois agora é só bagaço”.
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“Descasquem o pão dormido e descascado o ponham nesse leite ralo para amolecer. Na máquina de moer carne (bem lavada) moam o pão assim amolecido em coco, e moam amendoins, camarões secos, castanhas de caju, gengibre, sem esquecer a pimenta malagueta ao gosto do freguês (uns gostam de vatapá ardendo de pimenta, outros querem uma pitada apenas, uma sombra de picante). Moídos e misturados esses temperos juntem ao apurado molho uma garoupa, somando tempero com tempero, o gengibre com o coco, o sal com a pimenta, o alho com a castanha, e levem tudo ao fogo só para engrossar o caldo”.
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“A seguir agreguem leite de coco, o grosso e puro, e finalmente o azeite de dendê, duas xícaras bem medidas: flor de dendê, da cor de ouro velho, a cor do vatapá. Deixem cozinhar por longo tempo em fogo baixo: com a colher de pau não parem de mexer, sempre para o mesmo lado senão embola o vatapá. Mexam, remexa, vamos, sem parar; até chegar ao ponto justo e exatamente”.
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“Chegou o vatapá ao ponto, vejam que beleza! Para servi-lo falta apenas derramar um pouco de azeite de dendê por cima, azeite cru. Acompanhado de acaçá o sirvam, e noivos e maridos lamberão os beiços”.
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